domingo, 25 de março de 2007

Vivências #2

Vivências, mudanças e curiosidades
2 02 25 2007

Formei-me no ITA, eletrônica em 59. Em fevereiro de 1960 entrava para a Divisão Técnica da IBM. Éramos três engenheiros do ITA.
O mundo então da IBM era de máquinas eletromecânicas. Mas já era vislumbrada a mudança para máquinas eletrônicas. Era preciso trazer engenheiros para este mundo que viria.
O cartão perfurado, as máquinas Holerite, faziam a contabilidade, crediários e tudo mais da gestão das organizações. O mundo de processamento de dados.
Perfuradoras, conferidoras, separadoras, impressoras, intercaladoras e calculadoras eletromecânicas davam conta da gestão. E põe cartão perfurado nisso!
A programação se é possível chamar assim, de algumas das máquinas, eram com pegas em espécie de tabuleiro. Parecia coisa de telefonista dos tempos antigos! Tabuleiros muito complexos eram guardados e trocados para cada serviço.
Os da DT – Divisão Técnica da IBM, eram chamados de mecânicos ou graxeiros. Entendiam de tolerâncias mecânicas, eram treinados nas máquinas e na técnica de diagnosticar defeito. A mala de ferramenta, bem pesada, era padronizada e, tudo, de ótima qualidade. Creio ter feito parte de uma das últimas turmas de treinamento em máquinas convencionais.
As máquinas eram locadas! Sem exceção. Daí a necessidade de um ótimo serviço de manutenção, mais corretivo que preventivo. A gestão da DT era impressionante. Cada filial tinha um gerente da DT e abaixo vinham os supervisores, os gerentes de campo, que controlavam os técnicos.
Cada defeito era reportado em formulário especial, válido para todas as IBMs onde operava. Registrava-se o tempo do reparo, qual fora o defeito e em que máquina. Uma enorme quantidade de informações que permitiam saber o que melhorar nas próximas máquinas. E controlar o desempenho dos técnicos.
Notar que a mídia era o cartão: a memória era o cartão perfurado de oitenta colunas!
A IBM lançou um computador, creio que o IBM 650, que tinha memória de tambor. Foi dito que ao mostrarem a máquina para a cúpula da IBM, esta pensou que poderiam vender 50. Venderam, locaram coisa de 500!
Não trabalhei em nenhuma máquina convencial. Tive que esperar a IBM 1401 e a IBM 1620 que viriam logo a seguir.
Eram máquinas de transistores discretos, ou seja, não havia chip! Nas placas colocavam-se os transistores e demais componentes, todos discretos, visíveis. Trocavam-se placas, componentes não.
A memória máxima de uma IBM 1401 era de 16k! Isto mesmo dezesseis mil posições de memória. A memória era de núcleos de ferrite.
A programação era em linguagem de máquina, em autocoder e depois em assembler. Tínhamos acesso, pelo painel na IBM 1401, ao caráter armazenado na memória. E podíamos modificá-los.
E apareceram as fitas magnéticas, símbolo inconfundível da era moderna. Todos queriam ver as unidades de fitas. Apareceu o Sort, aplicativo para colocar os dados da fita em ordem, crescente ou decrescente. O assembler tinha instruções, rotinas de entrada saída para associar o computador central com seus periféricos: leitora de cartões, impressoras, perfuradoras e fitas magnéticas.
E tinha a RAMAC que era um dispositivo de E/S das 1401. Eram discos horizontais recobertos de material magnético. O trambolho rodava e um braço mecânico subia e descia, entrava e saia para ler os dados. Chamo de trambolho porque era trambolho mesmo: muito grande. Mas tinha a vantagem de ter acesso aleatório e não apenas seqüencial como nas fitas.
Lidávamos agora com memória de cartão, núcleos de ferrite, fitas magnéticas e discos tipo RAMAC. Logo depois surgiram os discos magnéticos removíveis. As panelas eram memórias portáteis e teoricamente infinitas!
E aparece o console para a 1401: um terminal tipo televisão aparecia. E junto veio o sistema operacional, primeiro em fita, TOS Tape Operating System e depois o DOS – Disk Operating System.
Quando apareceu o COBOL e Fortran não sei exatamente, mas foi por esta época.
Presenciara uma mudança rápida de memórias – cartão perfurado, tambor, núcleos de ferrite, fitas, discos fixos e removíveis. Vira a programação de linguagem de máquina para os compiladores e os primeiros sistemas operacionais.


Curiosidades
Éramos três os iteanos que entraram para a DT: eu, o Murta e o Carlos Henrique Moreira.
Este, o Miné, viu o que era, não gostou e saiu da IBM. Fez brilhante carreira de executivo na Embratel, Xérox, ATL, Claro e hoje é o Presidente da Embratel.
Era do time de basquete do ITA e a turma de 59 foi campeã quatro vezes seguidas. Carlos Henrique, Miltão, Edson Paladini e eu formávamos o quarteto básico. Jogavam também, que me lembre, o Corutixa, o Barros Carvalho e ....
O Miné, apelido do Carlos Henrique, carregou a tocha olímpica quando passou pelo Rio. Comentou que foi uma sensação incrível, vendo as pessoas aplaudindo quando passava. Foi sensação parecida como quando levou sua filha ao altar.
Um amigo comentou que o Carlos Henrique tivera sua prisão decretada por um juiz. A minha resposta foi que tinha algo errado com o juiz.
Xará meu da IBM, dizia que o Carlos Henrique foi a pessoa que conhecera com a melhor postura de Presidente, sempre, a toda hora.

Murta era aquela figura inesquecível que mereceria um artigo de personagem do Readers Digest.
Veio de Minas, de família bem pobre. Conservou seu jeito de caipira até o fim. Sentava-se de cócoras com tranqüilidade.
No ITA criou aranhas! Creio que se casou com a Judite, jovem de São José dos Campos: figura muito atraente e muito simpática. Dava-me bem com os dois.
Na DT, por suas qualidades pessoais e enorme habilidade técnica, tornou-se responsável pela manutenção das máquinas IBM 1401. Onde o problema não era resolvido no nível da Filial, lá ia o Murta. Eu era o número 2, quando por qualquer motivo o Murta não estava disponível.
Pelo jeitão tão peculiar e agradável, era o querido dos clientes em todo o Brasil. Conheceu um bocado do Brasil e de clientes tipo Serpro, Bradesco, Banco do Brasil e por aí vai.
Projetou e construiu sozinho, um gravador de fita magnética, de rolo, tanto a parte eletrônica quanto a mecânica. Funcionava, eu vi e ouvi. Acabamento nada primoroso e com boa qualidade de gravação e som.
Quando saiu da DT para a área de marketing, não se deu bem. Foi muito infeliz. Perdi contato e soube que morreu tempos depois. Lamento não ter convivido mais com ele.

As máquinas eram pesadas e seu transporte feito por empresas selecionadas. Uma, vou chamá-la de Portuguesa, era famosa, pelo menos no Rio.
O dono, um português, sabia entregar as máquinas. Contratava os patrícios, bastante fortes para trabalhar com ele. Três historinhas que se non e vero são curiosas.
A intercaladora era uma máquina pequena, mas em operação deslizava e saia do lugar. Na remoção os transportadores, passam a correia pelo ombro, passam na máquina e tentam levantá-la. Um diz para o outro: pequena mas pesadinha! Força compadre. E arrancaram os tacos pois estava presa no chão.
Uma máquina era para ser entregue em andar alto do Ministério da Fazenda, no Rio. O pessoal de marketing da IBM foi conversar com o chefe da seção e este os levou ao engenheiro do MF. Quando explicaram o tamanho e peso da máquina, o comentário do engenheiro foi que não conseguiria subir pelo elevador e teria que vir por fora. Passava o transportador e comunicaram tal fato a ele. A resposta veio rápida: Mas já está lá! Subira pelo túnel do elevador com suas roldanas e enorme tábua.
O dono contratou um jovem patrício e encantou-se com ele. Era ágil, forte e inteligente. Aproximou-se dele e disse-lhe que faria gosto se casasse com sua filha. A resposta foi simples e direta: não posso porque ela não me fala ao caralho. O dono de imediato concordou que realmente não era possível. Sem ofensas, numa boa.

Fernando Coelho de Souza

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