domingo, 25 de março de 2007

Vivências #3

Vivências, mudanças e curiosidades
3 03 03 2007

"Trabalhei com a IBM 650 instalada na CNAE (atual INPE). Sua principal característica era ser uma máquina de quatro endereços, ao contrário do usual na época, que era ter o máximo três endereços (opere o que está em A com o que está em B e coloque o resultado em C). No IBM 650 havia um quarto endereço, que era o endereço da instrução seguinte a ser executada (opere A com B, coloque em C e vá para D). Como a memória era em tambor magnético, conhecendo-se o tempo de execução de cada instrução, podia-se reduzir a perda de tempo devido à latência do tambor colocando a instrução seguinte onde ele estaria.José Francisco Guimarães Costa"
Presenciara uma mudança rápida de memórias – cartão perfurado, tambor, núcleos de ferrite, fitas magnéticas, discos fixos e removíveis. Vira a programação de linguagem de máquina passar para os compiladores e os primeiros sistemas operacionais.
A IBM lançou a IBM 1620, muito próximo da IBM 1401. Esta visava o lado comercial, a 1620 tinha como alvo as universidades e centros de pesquisa.
Preço bem menor e o desconto para universidades chegava a 60% (sessenta por cento).
Anunciaram a sua venda para o Brasil e houve uma venda para a USP, creio que para o Laboratório de Física.
Anúncio e venda de máquina na IBM seguia um procedimento comum: decidia-se se a máquina seria lançada, treinava-se o pessoal de marketing na máquina e havendo uma venda, treinava-se então alguém da DT. A rotina da DT era simples, escolhia-se um técnico, era mandado para fazer o curso no exterior, aprender, e dar um curso para outros técnicos.
Fui o escolhido e lá fui eu para San Jose, na Califórnia, USA.
Dizem que a fábrica foi localizada na costa oeste de propósito. As fábricas da IBM ficavam no estado de Nova Iorque. Poughkeepsie, Endicott e Rochester eram os locais das fábricas e onde a IBM começara. A pesquisa e desenvolvimento também.
No novo mundo das máquinas com válvulas e agora com os transistores, mudava o paradigma. Mudaram a localização e os novos contratados seriam pessoas sem experiência em processamento de dados e da IBM. Gente com a cabeça a fazer, não já feitas, e criar coisas novas. San Jose foi um centro de inovação em tecnologias e equipamentos. No caso de software, desconheço onde começa: poderia ser em qualquer lugar, pois era novidade, não havia o passado.
San Jose era uma cidade média e a fábrica da IBM, uma beleza. Sofri um pouco porque tinha que alugar um carro e dirigir nos States. Tirei uma carteira de motorista internacional. E sofri com o carro novo e as estradas de muitas pistas, trevos e carros demais. Sobrevivi.
No curso, não havia estrangeiros, só americanos. E ficávamos em grupos em apartamentos que alugávamos. Os gringos sabiam cozinhar! Surpresa para mim que passara de classe média baixa para classe média média e depois, no ITA, diria que era de classe média alta. Tínhamos criadagem: uma cozinheira e uma arrumadeira foram comuns na minha infância e juventude. E homem não tinha nada a fazer na cozinha!
Estranhavam porque não tinha sotaque!
Virara padrão ter um osciloscópio da Tektronix (creio ser esta a grafia) junto a cada computador. Ficava na instalação. Aprender a sincronizar e bolar um programa que fizesse a máquina ficar em "loop" era essencial. A programação chegava à DT. Novo paradigma, entender os analistas, ajudá-los e por eles ser ajudado,
Aparecem também os programas de teste. Cada máquina vinha com manuais e documentação ultra bem feitos. E os cartões onde estavam os programas de teste. Ajudavam, e muito. O meio era o cartão perfurado de 80 colunas, furos quadrados.
A 1620 tinha um console digno de menção: luzes, interruptores e seqüência das instruções. Era possível realizar uma instrução por toque de um switch e acompanhar os dados antes e depois da operação. A proximidade entre o operador e a máquina era muito grande.
Tinha pouco equipamento periférico: usava fita tipo telex de entrada e saída! Mais tarde viria a entrada e saída de cartões. Não me lembro da impressora mas tinha uma plotter x y para traçar gráficos. Era um programa que transformava os dados digitais em variáveis analógicas e dava saída na plotter.
A máquina chegou e fomos instalá-la na USP. Não passava nos testes. Pesquisa dura até que vimos que a matriz de endereçamento da memória estava com defeito. Não tínhamos seu substituto no país. Um dos técnicos tinha enorme habilidade em soldar e descobrimos que um fio poderia estar solto. Tudo era delicado e a solda tinha que ser feita rapidamente e com precisão para não quebrar fio. Conseguiu, a máquina passou nos testes e foi entregue à USP.
Mas dias depois um dos físicos nos mostrou que a máquina não estava invertendo matrizes corretamente. Conseguiu mostrar o problema em uma matriz três por três. E para nossa surpresa descobrimos que a 1620 considerava que +0 (zero mais) era maior que -0 (zero menos)!
Um pulso chegava a um circuito antes do tempo correto. Para atrasá-lo nada como usar um capacitor numa saída do circuito que gerava o pulso. Com dois ou três capacitores vimos o que dava o atraso correto. Lá fomos de novo soldar um componente externo em uma placa. Foi a placa FCS, única e com marcador para indicar que não poderia trocar com outra placa. Deixar uma máquina com um gatilho não era de nossa cultura.
A salvação foi um MES, que era um conjunto de instruções para alterar o circuito da máquina inclusive atualizando a documentação. O gatilho me fez ganhar meu primeiro prêmio na IBM. O MES removeu o gatilho.
A DT, posteriormente, criou a DT Software, técnicos especializados nos sistemas operacionais, os SAC de hoje das empresas de software, tipo Microsoft.
Recebíamos uma publicação da DT que relatava defeitos, causas e soluções havidas para diagnóstico. Coisas como pressionar as placas onde estavam os componentes para eliminar os maus contatos, e consequentemente defeitos intermitentes. (No Rio os Malcolm, os maus contatos, em SP os OSMAR, os mar contatos.) Desligar os ventiladores do sopé das portas das máquinas para aquecê – las e firmar um defeito. Soprar por um canudo em certos locais para aquecer e humidificar certo local e tornar o defeito constante.
Defeito intermitente era o grande vilão e dava enorme insegurança ao usuário. Às vezes rodava um serviço por longo tempo, coisa de uma hora, e pronto, antes de terminar vinha o defeito. Serviço perdido, começar tudo de novo. E terminaria?
As máquinas, dizíamos, tinham sintomas de gravidez: enjoavam pela manhã. O ar condicionado era desligado a noite, a umidade condensava e defeito. Solução simples: não desligar o ar ou ligá-lo uma ou duas horas antes de ligar o equipamento.

Gostaria de contribuições e críticas, como fez o JF. Até a próxima, se e quando houver.


Curiosidades
Nasci em Niterói, capital do Estado do Rio de Janeiro. A cidade Rio ficava no distrito Federal e era a capital do país.
Nasci em casa, a mesma onde nascera a minha mãe! A gente nascia em casa. Havia a parteira, que não era coisa rara. E os médicos também e o padrão era nascer em casa. Pelo menos em Nictheroy, Vila Real da Praia Grande.
Não me lembro destes tempos, a não ser por conversas dos familiares. Nascera com a ajuda de fórceps, e tinha uma cicatriz na fronte esquerda perto do olho. Dizem que quando meu pai me viu, comentou: Puxa como é feio. E parece que o consenso geral é que era mesmo. Depois melhorei, fiquei razoavelmente bem apessoado.
Quando tinha três anos meu pai foi estudar engenharia naval no MIT e ficamos 5 anos nos States. Boston e depois Filadélfia. Voltou com mestrado e foi professor do MIT durante um ano.
O inglês foi a língua em que fui alfabetizado. Sotaque nenhum, inglês anasalado de americano!
Imagine minha chegada no Colégio Brasil, aos 8 anos entrando na turma de alfabetização e lendo Tico Tico (nome de revistinha de criança) e dizendo taico taico. Dramático! Era galhofa geral! É ele!
Superei e no fim do semestre já estava na turma de meu nível.

Mais tarde, já como vendedor da IBM junto às universidades (chamavam-nos de representantes técnicos!), recebi ligação de iteano, que estava na Coppe, para reclamar da lentidão da 1620. Estava meio chateado. Rodou o programa e obrigou-me a esperar, junto com ele, pelo traçado do gráfico na plotter. Coisa de vinte minutos. Fique parado olhando uma plotter plotando vinte minutos e sinta o desconforto do tempo. Ta vendo, é uma lesma. Na saída perguntei: França, sem a 1620, quanto tempo você levava para traçar o gráfico? Parou, pensou e deu uma gargalhada: Coisa de uma semana ou mais.
Lembrei-me do ITA onde tínhamos que fazer um root lócus, acho que era esse o nome, e a régua de cálculo fumegava. Quem já usou a régua de cálculo?

No ITA, creio que fomos a primeira turma que teve aula de transistor! Um francês muito bom e gozador. A mudança na tecnologia afetava o currículo.
Curioso é que nas mudanças radicais, nem sempre o estabelecido prevalece. Em algum canto de minhas vagas lembranças, antes tinha memória, li que nenhum fabricante de veleiro evoluiu para os barcos a vapor, nenhum fabricante de carroceria virou montadora de automóvel e nenhum fabricante de válvula ficou grande no mundo dos transistores e chips.
As próprias razões e técnicas que causaram o sucesso podem dificultar romper com os paradigmas antigos e aceitar os novos. Na vaga lembrança, há um artigo sobre a RCA que mostra a luta dos novos tentando convencer a RCA para investir no transistor e o pessoal da engenharia argumentando que não seria rentável, que a relação ruído com alguma coisa era ridícula e por aí vai. Esqueceram-se de que as novas tecnologias começam pior e rapidamente superam em qualidade e custo a tecnologia anterior, ou não vingam. Tem que vislumbrar a que vai vingar.
O Bill Gates fez isso com a Internet!

Fernando Coelho de Souza

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